domingo, 24 de julho de 2011

A SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E A SOCIEDADE LIMITADA

Quando o sócio de empresa limitada for realizar testamento há que se ter presente que o testamento poderá sofrer limitações quanto à disposição das quotas societárias frente ao estatuto social da própria sociedade limitada.
 O parágrafo 2º do art. 1.857, CC, valida a deixa testamentária que não possua valor econômico, entretanto, seu alcance é mitigado perante o contrato social da empresa, uma vez que este pode deliberar de forma diversa a respeito do valor não patrimonial da quota social e como se deva proceder em caso de morte de um dos sócios.
Não se tratando de sociedade limitada individual criada pela Lei Nº 12.441, de 11 de julho de 2011, a sociedade limitada formada com duas ou mais pessoas se cria com patrimônio integralizado ou a ser integralizado, e pode variar de acordo com a intenção de seus integrantes. É o denominado caráter híbrido da sociedade limitada. A participação de seus sócios é representada pelas quotas sociais que possuem, e que representam dois conceitos básicos:
a) o patrimonial, ou intuitu pecuniae;
b) e o pessoal, conhecido como status socii ou intuitu personae.
O primeiro diz respeito ao valor da quota social; a participação do sócio nos lucros e prejuízos sociais (arts. 1007 e 1008, CC); na liquidação da empresa.
O segundo em relação à posição de sócio: que é o direito de participar na administração e fiscalização dos atos de gestão - trata-se  de um direito pessoal [1] -.
O contrato social pode prever, em caso de morte do sócio, o destino de suas quotas sociais, tanto em seu aspecto patrimonial: tais como valor e forma de liquidação da quota; bem como quanto ao status de sócio do herdeiro do falecido, como determinado no inciso I do art. 1028 do CC.
Nem todo aquele que herda uma quota patrimonial adquire o status socii, mas todo aquele que possui o status socii possui uma quota patrimonial: só pode ser sócio aquele que possui quota social.
Prevendo o contrato social que o herdeiro do sócio falecido herde a quota social e ingresse na sociedade, esta não se dissolverá, e nem se apurará os haveres da quota do herdeiro. Entretanto, poderá o contrato prever que não haja ingresso de herdeiro de sócio falecido, optando-se pela liquidação da sociedade ou tão somente pela quota do herdeiro. É bem verdade que a atual Lei nº 12.441 de11/07/2011, irá mitigar tal situação, na medida em que o seu § 3º prevê que A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. Desde já se percebe o alcanse de tal dispositivo a alterar, supletivamente, a previsão de extinção da sociedade limitada quando da morte de um de seus sócios. 
Portanto, o testamento do sócio falecido não é ato jurídico cogente frente à sociedade, isto quer dizer que, mesmo o testamento prevendo que o herdeiro herde a quota social e deva ingressar na sociedade, tal fato pode não ocorrer caso o contrato social da empresa não permita.
O testamento é ato personalíssimo e estranho à sociedade, enquanto que o contrato social é ato associativo e possui, em relação aos destinos da sociedade limitada, poderes que o testamento não tem.
O contrato social pode e deve prever as regras sucessórias que atinjam as quotas sociais dos sócios, como devem ser apuradas e liquidadas; se o herdeiro ingressa ou não na sociedade.
Caso o contrato social preveja a entrada do herdeiro como sócio da sociedade, os outros sócios remanescentes não podem opor nenhum obstáculo para seu ingresso na sociedade. Deixando o sócio em testamento a possibilidade de ingresso na sociedade de seu herdeiro, e em consonância com o contrato social, o herdeiro adquire o status socii.
Outra hipótese é a omissão do contrato social em relação à morte de um dos sócios; não prevendo o destino que se deva dar às quotas sociais do sócio falecido. Entretanto pode, no testamento, haver a previsão de que o herdeiro, ao herdar as quotas sociais, também possa adquirir o status socii. O herdeiro herdará a condição de status socii?
O princípio geral é o previsto nos incisos I a III do art. 1028 do CC [2], pois, em se tratando de morte do sócio e haja silêncio no contrato social as respeito de suas quotas, elas poderão ser liquidadas, salvo se os sócios remanescentes dispuserem pela dissolução da sociedade, ou por acordo com o herdeiro, permitir o seu ingresso na sociedade.
E como fica a vontade do testador? Não fica. Não tem valor perante a sociedade. A deixa testamentária, no que tange ao direito pessoal de sócio somente será aceita pela sociedade se esta prever em seu contrato social a possibilidade de ingresso do herdeiro do sócio, caso contrário, aplica-se de imediato os incisos II, e III do art. 1.028, CC.
O que o sócio falecido transmite ao herdeiro é a condição de credor do valor patrimonial das quotas. Para tanto, o reembolso do herdeiro se dará com a liquidação da quota e apuração de haveres [3].
Tanto no caso de dissolução da sociedade, como na liquidação da quota social segue como regra geral o art. 1.031 do CC[4]. Há que se ter em mente que a estipulação contratual para a liquidação da quota social de sócio excluído não pode ser gravosa e ilícita, criando à sociedade enriquecimento sem causa.
Gladstone e Eduarda Mamede[5] mencionam que:

(...) a estipulação contratual, ainda que deva ser respeitada, não é juridicamente definitiva, intocável, podendo ser objeto de impugnação: em fato demonstrada a sua ilicitude, abusividade ou iniqüidade, a implicar desrespeito flagrante à garantia constitucional do direito à propriedade, o Judiciário deverá dar provimento ao pedido para que seja aplicada a regra legal, qual seja, a liquidação da quota ou quotas, no percentual que tiverem sido efetivamente realizadas (integralizadas), tendo por base a situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
Sérgio Campinho[6] adota posição mais abrangente, prevendo que a apuração de haver do herdeiro do sócio seja feita como se liquidasse a própria sociedade, ou seja: liquidação total, com “aferição do patrimônio exato e total da sociedade, com a necessária inclusão dos bens incorpóreos do fundo de comércio, hoje fundo de empresa, além das reservas facultativas.” 
Posição idêntica vem tomando o STF nos Re. Extraordinários 91.044 –RS; 89.464 – SP;  e STJ Resp. 64711/RS, onde menciona que o fundo de comércio integra o montante dos haveres do sócio retirante..
Quanto à vontade do herdeiro há que se ter em conta a previsão constitucional do inciso XX do art. 5º, mencionando que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; o que vale dizer que em caso do herdeiro receber a sua quota social, via testamento com intuitu personae ou intuitu pecuniae e que tal possibilidade seja prevista no contrato social da empresa, o herdeiro não é obrigado a associar-se, preferindo liquidar suas quotas, o que levaria à extinção da sociedade ou a sua exclusão da sociedade com a apuração de seus haveres e a se for o caso transformar a empresa limitada individual, onde eram dois sócios, agora será de um (§ 3º, art. 980 da lei 12.441 de 11/07/2011
Os sócios remanescentes não podem opor ao herdeiro a previsão do art. 1.029 do Código Civil, o que vale dizer que não é necessária ao herdeiro a justa causa para sua saída. Não há no herdeiro a mesma vontade associativa do sócio falecido.  Pois, como mencionado, ele herda, em primeiro momento, o crédito à quota, pois em relação à sua condição pessoal de sócio, o seu direito é dependente de previsão no contrato da sociedade, ou da vontade dos outros sócios, cabendo-lhe mesmo direito de querer ou não integrar a sociedade [7].
A questão que fica premente para a sucessão é o valor das quotas herdadas e que devem ser aferidas para que se possa estabelecer-se o quinhão hereditário do herdeiro. Sabe-se que o Agente Fiscal da Fazenda Estadual, via de regra, não tem condição de aferir o real valor de uma quota social. Mas, estipulando o agente fiscal o valor da quota social e não havendo acordo sobre o seu valor, caberá impugnação em dez dias, nomeando-se um perito para que se apure o valor da quota social e, ao fim, o quinhão hereditário.
O valor da quota social que se apurar no inventário, sem a interferência dos sócios remanescentes, somente tem validade para dentro do inventário, não constituindo como prova hábil, ou título de crédito contra a sociedade em posterior liquidação dessas mesmas quotas. Nesse sentido, a decisão do STJ no REsp 5780  ao determinar que “fazendo-se a apuração de haveres nos próprios autos do inventario,sem a participação dos sócios remanescentes, apenas interessa a herdeiros e meeira. Terceiros não podem dela valer-se como se constituísse titulo liquido e certo.”
Portanto, quando o sócio da sociedade limitada for realizar seu testamento, é importante observar o conteúdo do contrato social da empresa, para que o contrato e o testamento não entrem em choque. A situação de conflito poderá ser resolvida com a alteração do contrato social  a qualquer momento durante a vida do sócio, não importando se a modificação  do contrato social deu-se após a feitura do testamento.

EVANDRO RÔMULO DEGRAZIA
Advogado, Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões na PUC/RS; Presidente da Comissão de Direito Civil do INAMERCO, Vice-Presidente da ASSAGA, Membro associado ao IBDFAM e IARGS.
Escritório na Rua Tobias da Silva n° 267/505 F. (51) 30194640. Porto Alegre, RS. Brasil.
Site: http://www.degraziamartins.com.br

 


[1]   Silveira, Marco Antônio Karam. A Sucessão Causa Mortis na Sociedade Limitada. 1ªed. Porto Alegre: Livraria DO ADVOGADO, 2009,p.59/60 : Em suma, o direito patrimonial é o aspecto pecuniário das quotas sociais, consistindo no direito aos lucros e percepção do resultado da apuração do valor das quotas, em caso de liquidação da sociedade, ou no de dissolução parcial em caso de morte de um dos sócios. O direito pessoal é o direito à qualidade de sócio, do status socii.
[2] Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

[3]   TJPR 18ª CCivel. Apc. Nº 13535. Por unanimidade de votos ...1. A morte de sócio de sociedade limitada pode implicar a sua dissolução parcial, a depender da vontade dos sucessores e dos sócios sobreviventes, ou seja, somente a dissolve quando o sucessor não deseja entrar para a sociedade, ou, não sendo isso obstado pelo contrato social, os sobreviventes querem impedir o seu ingresso. 2. A restrição quanto ao ingresso dos sucessores do sócio falecido, nas limitadas, tem razão de ser, eis que as sociedades de pessoas são constituídas em função da figura pessoal (atributos) dos sócios. 3. A manifestação do sócio supérstite, no sentido de obstar o ingresso dos sucessores, conforme permitido pelo contrato social, resolve, de pleno direito, a sociedade, em relação ao sócio falecido, além de ensejar a intransmissibilidade de seus direitos. 4. Considera-se ultra petita a sentença que decide além do pedido.

[4]   Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
     § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
     § 2o A quota liquidada será pga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.
[5]   Separação, Divórcio e Fraude na Partilha de Bens. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 98.
[6] O Direito de Empresa. 4ª ed. Rio de Janeiro. RENOVAR.2004. p. 233.
[7]    REsp 138428 / RJ, 18/12/1997 Sociedade Comercial. Dissolução. Morte do sócio. Embora constituída por apenas dois sócios, e havendo divergência entre o sócio remanescente e os herdeiros do pré-morto, não cabe o extinção da sociedade, mas apenas a sua "dissolução parcial", com apuração dos haveres devidos ao espolio através de balanço especial.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Adoção por casais homoafetivos: um direito assegurado

Após o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, aumenta o debate acerca da adoção conjunta por casais homossexuais. O próprio ministro Gilmar Mendes, quando da propositura de seu voto, limitou-se a reconhecer a existência legal da união homoafetiva, não se manifestando acerca dos demais desdobramentos.(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178918&caixaBusca=N).

Ocorre, que não há o que se dicutir. A partir do momento que se reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, lhe dando o status legal de união estável, todos os direitos decorrentes desse instituto lhe serão estendidos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente que disciplina a adoção de criança e adolescente, estabelece no caput do artigo 42 que a pessoa maior de 18 anos, independente de seu estado civil, tem direito a adotar. E caso queira fazê-lo conjuntamente com outra pessoa, estes devem estar casados civilmente ou vivendo em união estável, e comprovada a estabilidade familiar (§2º do artigo 42).

Portanto, observa-se que a lei não faz vedações decorrentes da orientação sexual dos adotantes. Um casal que viva em união estável (seja entre pessoas de sexos diferentes, seja entre pessoas do mesmo sexo), desde que comprovada sua estabilidade familiar e preenchidos os demais requisitos, está habilitado a adotar uma criança ou um adolescente.

Contudo, mesmo diante da não proibição da lei, a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos é um assunto que gera polêmica. Aqueles que são contrários à adoção por esses casais questionam a possibilidade de pessoas do mesmo sexo criarem saudavelmente uma criança, bem como questionam quais serão as consequências geradas a crianças e adolescentes que vivam nessas famílias diferenciadas.

A família atual se apresenta de diversas maneiras, além da família nuclear (pai, mãe e filhos), há famílias formadas por um pai ou mãe e seu filho, por avós e neto, por irmãos, por tios e sobrinho, bem como por casais homoafetivos. Essa é a nova realidade social, sem fantasias!

A criança e o adolescente adotados por um casal homoafetivo não sofrerão pelo fato de seus pais serem do mesmo sexo, mas sim pelo preconceito da sociedade em não dar o devido valor à família em que vivem. Independente do tipo de família, o que importa é a dedicação, o carinho, o respeito e o amor entre seus membros.

Porto Alegre, 28 de junho de 2011.

Grace Regina Costa
                                                                                                                     Advogada

Bem-vindos!

Está aberto o espaço para divulgarmos nossos textos relacionados aos temas de Direito de Família e Direito das Sucessões.
Aqui podemos postar as atualidades do instituto, as jurisprudências e os trabalhos acadêmicos de toda a turma.
Por ser um canal totalmente democrático, fico no aguardo das sugestões de layout, sites para links e demais pontos importantes a serem destacados no blog.
Um Abraço,
Roberta Borsatto